Resenha do Livro: “Jantar secreto”

Título: Jantar secreto

Autor: Raphael Montes

Capa: Christiano Menezes

Editora: Companhia das Letras

Ano: 2016

Páginas: 368

Classificação Indicativa: 18 anos e acima

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Sinopse

Em “Jantar secreto“, um grupo de quatro jovens deixa Pingo d’Água, uma cidadezinha no interior do Paraná, para estudar no Rio de Janeiro, Eles dividem um apartamento em Copacabana e fazem o possível para alcançar seus sonhos na cidade grande.

Dante, o narrador, trabalha como vendedor numa livraria e cursa administração. Leitão, um hacker de humor escrachado, frequenta aulas de ciência da computação, mas prefere mesmo jogar vídeo game e comer pizza. Miguel, o certinho do grupo, estuda medicina. E Hugo é um aspirante a chef e dono de uma vaidade sem limites.

Em meio às dificuldades de pagar o aluguel e conseguir um bom emprego em um país em crise, os quatro amigos têm uma ideia para finalmente ganhar dinheiro: realizar jantares secretos para clientes ávidos por uma aventura gastronômica exótica.

Mas o que começa como brincadeira de repente assume proporções inimagináveis. Eles mergulham num sufocante caminho de desconfiança, paranoia e ambição, assumindo uma índole perversa que jamais imaginaram possuir.

Passando por matadouros clandestinos, grã-finos excêntricos e uma espiral de crimes, “Jantar secreto” une humor e suspense numa trama hiperbólica, misto de fábula sobre a violência e retrato de uma juventude sem rumo.

Livro “Jantar secreto”

Um sujeito estava andando pela rua quando se deparou com um restaurante que vendia carne de gaivota. Pediu carne, comeu, foi para casa e se matou. Por quê?

Há livros que simplesmente explodem a nossa mente. Que escancaram nossas hipocrisias e esfregam em nossas caras os absurdos do mundo em que vivemos. Absurdos esses, que por muitas vezes, nós ignoramos. Simplesmente pelo fato de serem corriqueiros. O livro “Jantar secreto”, de Raphael Montes, é um suspense que de maneira intensa e provocante te leva a se questionar até onde você iria diante do desespero, quais seriam os seus limites e onde se encontraria a sua moral.

De Pingo d’Água, uma cidade pequena do Paraná, famosa por seu turismo religioso, saem quatro amigos. Eles se conhecem e estudam juntos desde o jardim de infância. Todos recém aprovados em faculdades do Rio de Janeiro. Na cidade grande, encontram um apartamento ideal para dividirem. Com salas espaçosas e quatro quartos magníficos. E lá se vão eles, dentro de um carro que tinham em conjunto, cheios de sonhos, em busca de seus sucessos profissionais.

Dante, o narrador de “Jantar secreto“, se formou em Administração. Trabalhava em uma livraria por um salário baixo, enquanto não conseguisse um emprego na sua área. Vivia de breves relacionamentos e sexo casual. Achava que sua mãe se intrometia demais em sua vida. Seu pai era dono do cartório da cidade de onde nasceu.

Miguel, se formou em Medicina. Fazia residência em um hospital público, com uma bolsa do governo. Seus pais trabalhavam para os pais de Dante, foi assim que acabaram sendo criados como irmãos. Tinha uma namorada que se chamava Rachel. Se conheceram no início da faculdade e ela não gostava dos amigos dele, achava que eram má influência. Apesar da rotina exaustiva, ele parecia feliz.

Victor Hugo, se formou em Gastronomia. Vivia pulando de restaurante em restaurante, ganhando pouco como assistente de cozinha. Seu pai era pedreiro e sua mãe dona de casa, ele batia nela, e ela nunca o abandonava. Hugo tinha raiva disso, mantendo assim, raro contato com a mãe. Não durava em nenhum relacionamento, apesar do talento na cozinha, tinha ideias difíceis de se tolerar.

Jorge Luiz, vulgo Leitão, desistiu do curso Ciências da Computação no segundo ano, não havia suportado as cobranças. Raramente saia de casa, levava uma vida online e passava o dia comendo. Havia ganhado ainda mais peso. Viciado em pornôs e muito religioso. Conseguia dinheiro através de golpes na internet, dizia que isso não daria em nada porque fazia de maneira segura e discreta. Escrevia cartas constantes para a mãe.

Em um determinado aniversário de Leitão, os outros três amigos se juntam para dar a ele um presente de aniversário. Uma puta. E é aí que conhecemos a Cora em “Jantar secreto“. Veio de Goiás para ganhar a vida no Rio de Janeiro. Sua mãe morreu no parto e com seu pai viveu uma vida quase matrimonial. Com ele perdeu sua virgindade aos 12 anos e sendo seu pai caseiro de uma fazenda, ela cresceu trabalhando em um matadouro, dessangrando e desossando. Sem nenhum embaraço conta que aprendeu com ele, nas duas áreas da vida, tudo o que sabia. Tinha o sonho de ser poeta.

No decorrer de o “Jantar secreto”, vemos que cinco anos se passaram desde que chegaram ao Rio de Janeiro, e que pouca coisa havia mudado em suas vidas. O sucesso profissional que almejavam não chegou com o diploma na mão. A convivência não era das mais fáceis, muitas brigas aconteciam, e ninguém estava cem por cento satisfeito. E para dar uma ajuda a mais, uma crise econômica surgiu, acabando com o pouco de esperança que restava e aumentando o desespero que já se instalava.

O hospital onde Miguel trabalhava passou por cortes e sua bolsa do governo começou a atrasar o pagamento. Hugo estava trabalhando para um chef renomado, mas arrumou uma briga por se recusar a varrer o chão, foi demitido e ficou mal falado no meio, conseguindo dali em diante apenas bicos em uma empresa de bufês. Leitão seguia na mesma, a única mudança em sua vida foi Cora, que após tê-la recebido como presente de aniversário, apaixonou-se e a encontrava de vez em quando. Dante havia sobrevivido a um corte de pessoal na livraria, no entanto era nítido que mais uma leva de demissões estava por vir. Todos fadados ao fracasso.

Em “Jantar secreto”, temos Dante entrando em desespero só de se imaginar voltando para sua cidade e trabalhando com o pai. Tomava remédios para dormir e as vezes nem isso ajudava. Uma reunião foi feita, pois era necessário reduzir os gastos para que fosse possível manter o aluguel do apartamento. Cada um renunciaria a uma coisa onde gastavam mais, e todos renunciariam à diarista que tinham.

E para ajudar um pouquinho mais, a imobiliária entra em contato com o Dante e ali ele descobre que há 6 meses que o aluguel não estava sendo pago. Possuíam uma dívida de 25.974,38 reais. Seriam despejados. Todos os meses cada um transferia sua parte para o Leitão e esse repassava o valor total para a imobiliária através do bankline, mas algo tinha acontecido há 6 meses atrás, Leitão havia conhecido Cora.

O caos se instala no apartamento, Dante conta o que descobriu, Leitão confessa ter gastado tudo com Cora, dizendo que ela é a única alegria de sua vida. Todos ficam furiosos e perdidos. O que vão fazer agora? Como arcar com uma dívida desse tamanho? Uns sem salário, outros recebendo tão pouco. Se despejados, para onde iriam?

Ao longo de “Jantar secreto” conhecemos mais sobre a história da cidade de onde vieram, marcada por uma briga entre um bordel e uma igreja. Essa história se entrelaça com a vida deles, mais de uns do que de outros, mas afetando direta ou indiretamente a todos. Será que pequenas ações de caridade podem salvar uma psique quebrada? Será que uma memória afetiva é capaz de recriar um passado? Quantos remédios são necessários para suavizar o peso que uma alma carrega? Acontecimentos corrompem uma mente? Ou já existe uma mente corrompida antes dos acontecimentos?  

Em meio a muitas ideias sobre uma forma de saírem dessa situação, Hugo surge com uma alternativa. Comenta sobre o lançamento de um site chamado “JantarSecreto.com”, onde a ideia principal é criar uma ponte entre pessoas que possuem um talento culinário e que querem ganhar um dinheiro extra, e pessoas que estão dispostas a comer na casa de alguém desconhecido, numa espécie de aventura gastronômica. Para participar basta se cadastrar, informar um cardápio, data, bairro, número máximo de pessoas e preço por cabeça. Eis aí a escolha deles. Salvação ou ida direto ao inferno?

Cada um recebe uma tarefa em “Jantar secreto“. Miguel compraria tudo o que seria necessário para a noite. Hugo faria o jantar. Dante seria o anfitrião e serviria. E Letão ficaria responsável pelo cadastro e divulgação na internet. Mas esse resolve fazer uma brincadeira durante a execução da sua tarefa. Algo que unia a situação atual deles, com uma conversa que há algum tempo haviam tido em uma mesa de bar, um tal de enigma da carne de gaivota. O resultado desse enigma seria a fórmula para o sucesso que almejavam? Ou seria o real fracasso de suas vidas?

Já chegou a prestar atenção nas carnes que você consome? Toxinas, inseticidas, entupidas de remédios, alimento transgênico. A carne de boi nada mais é do que um cadáver em princípio de decomposição. Isso faz alguma diferença para você desde que a carne esteja fresca?

Os meninos voltam a sorrir. Não estão vendendo apenas comida, mas sim uma experiência. Os jantares começam a dar certo e com o tempo o negócio começa a crescer. Passam a viver em euforia, estão conquistando tudo aquilo que queriam. E aí que você percebe que “Jantar secreto” fala sobre muitas fomes diferentes. E cada personagem tem a sua própria fome. Dinheiro, reconhecimento, prazer, status, pertencimento. Esse impulso biológico tão natural para nós, na narrativa é um espelho do vazio humano. A fome vai muito além do prato. Do que você seria capaz para saciar a sua? O que a moral te impediria de fazer?

Entramos em um espiral de horrores por assim dizer. “Jantar secreto” apresenta ideias absurdas e ações estúpidas. Cardápios refinados, repletos de receitas deliciosas (será?). Um ciclo de muitos vícios diferentes, desde bebidas, drogas, sexo e dinheiro, até satisfação do próprio ego, poder e aquilo que você escolhe comer. Quanto mais se tem, mais se quer. Mas qual será o preço da ambição?

Obviamente as coisas saem do controle em “Jantar secreto“. E as excentricidades apresentadas durante os jantares revelam algo mais sombrio sobre a humanidade e moralmente perturbador. Te fazendo questionar até onde se trata de uma questão de opinião e quando começa a ser uma questão de ética. O peso na consciência provocado por suas ações é capaz de te parar, mesmo quando essas ações lhe trazem os benefícios que necessita ou sempre quis ter?

Em uma leitura tensa e cheia de suspense vemos os personagens de “Jantar secreto” tomarem decisões que os levam a consequências cada vez mais imprevisíveis. Consequências que mostram como você pode acabar destruindo e sendo destruído pelas suas escolhas. A linha tênue entre a necessidade e a ganância dão a obra um toque mais que especial.

“Jantar secreto” é carregado de críticas, magistralmente apresentadas por Raphael Montes. Algumas de maneira mais suave, outras de maneira mais brutal. Todas impactantes. Críticas na área da saúde e até mesmo políticas, mas tem como seu pilar as críticas sociais. O sucesso é medido pelo que se consome, e a moralidade, muitas vezes só um obstáculo no caminho. A fome vem como metáfora sobre esse consumo, desigualdades, busca por reconhecimento e medo do fracasso. O desespero diante isso levando a distorção de muitos valores básicos. Apresenta as hipocrisias da humanidade que nos forçam a encarar realidades que muitas vezes preferimos ignorar, ainda que sejam expostas a nós dia após dia.

Não é uma história de heróis. “Jantar secreto” nos mostra humanos, falhos como qualquer um, sendo empurrados a limites nunca por eles imaginados. Na verdade, a narrativa de uma realidade cruel e de terrores psicológicos, onde vemos os personagens sendo engolidos pelas circunstâncias e pelas escolhas que fazem diante delas, nos desafia frente aos nossos próprios limites de empatia.

“Jantar secreto” é extremamente desconfortável de ler, mas é justamente isso que o torna fascinante. Em uma atmosfera perturbadora, ele nos faz entender o inaceitável, ainda que nunca possamos justificá-lo. E isso não está ali gratuitamente. Cada cena incômoda tem o seu propósito, a cada página você encontra questões e mais questões que ficam ecoando na mente após a leitura. Sobre si mesmo e o que seria capaz de fazer para manter as aparências. E sobre a sociedade na qual vivemos, onde muitos carregam o peso da escolha entre a dignidade e a sobrevivência.

É um livro incômodo sim, justamente porque é plausível. E a maneira como cada cena é descrita é como se estivéssemos lá, transcende o ler, é possível sentir. A história de “Jantar secreto” te prende, e é simplesmente difícil parar de ler. Há um equilíbrio perfeito entre as cenas mais insanas e os instantes de reflexão, entre o horror e o humano, e com doses de humor, que te mantém ali, devorando cada palavra até chegar ao ápice do banquete que nos é apresentado no final.

Uma história que realmente mexe com o nosso estômago e com a nossa consciência, afinal, em que momento que a morte daquilo que me alimenta vai passar a me incomodar? Qual das minhas fomes pode vir a trazer a minha morte, seja ela física ou simbólica? O livro “Jantar secreto” é um constante lembrete de que o mal pode vir a nascer até das intenções mais banais, e que a fome, em suas diversas facetas, carrega uma força capaz de devorar tudo a sua volta.

Gosta de banquetes difíceis de digerir, mas certamente impossíveis de esquecer? Vivencie essa aventura gastronômica e descubra se o “Jantar secreto” é capaz de te fazer salivar. Se interessou? Dá uma chance. Leia e depois venha aqui me contar o que achou.

Jantar secreto

• ATENÇÃO, ANO CORRETO DO EXEMPLAR: 2016. Livro em capa brochura; (Novo). 368 p. Imagem ilustrativa:

R$ 35,00

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Curiosidades

O livro “Jantar secreto” de Raphael Montes é um verdadeiro sucesso. Vendeu mais de 200 mil exemplares e é frequentemente citado como um dos livros mais vendidos no Brasil. Não é atoa que a obra teve seus direitos autorais vendidos para o cinema.

Há planos de adaptação de “Jantar secreto” para as telas do cinema sob a direção de Fernando Fraiha, com produção da Biônica Filmes e RT Features. A ideia é trazer para o visual todo o suspense e crítica social que o livro carrega, destacando todo o seu horror com suas doses de humor.

Raphael Montes, o autor do livro, também é roteirista de televisão, tendo colaborado em séries como “A Regra do Jogo” (2015 – Globoplay), “Espinosa” (2015 – GNT), “ Supermax” (2016 – Globoplay), “Bom Dia, Verônica” (2020 – Netflix) e “Dias Perfeitos” (2025 – Gobloplay). Em filmes colaborou com “A menina que matou seus pais” (2021 – Primevideo), “O menino que matou meus pais” (2021 – Primevideo) e “Uma família feliz” (2022 – Globoplay). E em novelas colaborou em “Beleza Fatal” (2025 – HBO).

Sendo “Dias Perfeitos”, “Bom dia, Verônica”, “Uma família feliz” e “Beleza Fatal obras literárias de sua autoria.