Resenha do Filme: “Memórias de uma gueixa”

Filme: Memórias de uma gueixa

Direção: Rob Marshall

Produção: Lucy Fisher; Douglas Wick e Steven Spielberg

Roteiro: Robin Swicord

Produtora: DreamWorks Pictures; Spyglass Entertainment; Amblin Entertainment e Red Wagon Entertainment

Baseado em: Livro “Memórias de uma gueixa”, Arthur Golden

Ano de lançamento: Novembro de 2005

Tempo de duração: 2h25min

Classificação indicativa: 14 anos

Onde assistir: PrimeVideo; YouTube

Sinopse

Em “Memórias de uma gueixa“, Chiyo (Suzuka Ohgo) foi vendida a uma casa de gueixas quando ainda era menina, em 1929, onde é maltratada pelos donos e por Hatsumomo (Gong Li), uma gueixa que tem inveja de sua beleza. Acolhida por Mameha (Michelle Yeoh), a principal rival de Hatsumomo, Chiyo ao crescer se torna a gueixa Sayuri (Zhang Ziyi). Reconhecida, ela passa a desfrutar de uma sociedade repleta de riquezas e privilégios até que a 2ª Guerra Mundial modifica radicalmente sua realidade no Japão.

Filme “Memórias de uma gueixa”

Não nos tornamos gueixas para vivermos nossas vidas. E sim porque não temos escolha

“Memórias de uma gueixa”, dirigido por Rob Marshall, é visualmente impressionante, carrega uma beleza encantadora, do quadro geral aos seus pequenos detalhes, enquanto faz um mergulho cultural no universo das gueixas. Inspirado no livro de Arthur Golden, o longa apresenta a dor e a crueldade por detrás de um mundo que só mostra beleza e luxúria. Acompanhamos tradições, jogos de interesse e disputas intensas e silenciosas, enquanto vemos uma menina tentando sobreviver em um mundo que lhe dá poucas ou mesmo nenhuma escolha sobre a própria vida.

A história de “Memórias de uma gueixa” nos mostra a jornada da pequena Chiyo, que começa quando ela, aos nove anos, e sua irmã mais velha são vendidas para o distrito das gueixas, após a mãe delas adoecer. São levadas no meio da noite e separadas ao chegarem em Hanamachi, Chiyo ficando em um Okiya e sua irmã indo parar em um prostíbulo.

Dentro do Okiya, ela conhece Pumpkin, uma garotinha da sua idade que também havia sido vendida pela família. Descobre que se impressionar aquela que chamam de Mamãe e fizer tudo que ela mandar, poderia então ir para a escola das gueixas. E na sua atual situação, esse era o único meio de conseguir algo a mais na vida, no entanto, isso também significava ter que sobreviver a Hatsumomo, a gueixa que sustentava aquele Okiya, e que fazia questão de humilhá-la constantemente.

“Memórias de uma gueixa” nos mostra que entre as humilhações feitas a Chiyo, Hatsumomo brinca com o fato de ter informações sobre sua irmã, manipulando-a a jurar lealdade em troca do que ela sabia. E em meio a uma de suas armações contra uma gueixa rival, chamada Mameha, Hatsumomo usa Chiyo em seu favor, forçando-a a escrever por cima de um quimono roubado desta gueixa, estragando-o completamente. E ainda a obriga entregá-lo na casa de Mameha.

Quando descobrem o que aconteceu com o quimono, Chiyo tem por castigo uma surra de vara e o acréscimo do valor dele em suas dívidas. Cumprindo sua parte, a menina cobra de Hatsumomo a dela, e essa lhe dá o endereço de onde sua irmã esta. Em uma oportunidade, quando já estava nas ruas em meio a tarefas, debaixo de chuva ela sai procurando pelo endereço dado, até encontrar a sua irmã e combinarem de fugir no dia seguinte ao anoitecer.

No entanto, “Memórias de uma gueixa” nos mostra que ao voltar para o Okiya, ela flagra Hatsumomo com o namorado e eles também a veem, os barulhos acabam chamando a atenção de Mamãe. O namorado foge e Hatsumomo esconde dinheiro nas vestes de Chiyo, forjando uma situação em que ela teria encontrado a menina roubando para poder fugir com a irmã.

Enquanto leva outra surra de vara como castigo, Chiyo conta sobre ter visto Hatsumomo com o namorado dentro do Okiya. Comprovando ser verdade, Mamãe ordena que o portão passe a ser trancado na chave, para que ninguém possa sair e nem entrar. O que faz com que Chiyo tente fugir pelo telhado, de onde acaba caindo e se machucando. Tendo mais somas acrescentadas em suas dívidas.

“Memórias de uma gueixa” nos mostra que após o incidente, Chiyo descobre que sua irmã conseguiu fugir e que seus pais morreram cerca de seis semanas depois de ter sido levada, ficando completamente só no mundo. E agora que havia envergonhado o Okiya tentando fugir, só lhe restava pagar suas dívidas servindo como escrava.

Enquanto estava sobre uma ponte, Chiyo contemplava sua solidão e tristeza, quando um homem, ao vê-la chorar, decide parar para conversar com ela, lhe dando um pouco de atenção e gentileza. E naquele momento, encantada com a generosidade daquele que ela ouviu ser chamado de Presidente, ocupa sua solidão com um novo propósito, pois ali compreendeu que ser uma gueixa era um degrau para outras coisas. Em sua situação, ser uma gueixa era um degrau para se ter um lugar no mundo.

Ele lhe pagou um sorvete, lhe deixando o troco e um lenço. Ela, com esse novo propósito em sua mente e em seu coração, vai até o Templo, guardando o lenço e ofertando as moedas aos deuses, fazendo um pedido. Uma oportunidade de se tornar uma gueixa, e que em algum dia, pudesse voltar a encontrar aquele homem.

Passam-se anos em “Memórias de uma gueixa”, Chiyo agora tem 15 anos e continua servindo o Okiya como escrava, enquanto acompanha Pumpkin na sua estreia como gueixa, tendo como irmã mais velha Hatsumomo. No entanto, uma visita inesperada muda seu destino.

Mameha aparece para conversar com Mamãe, mostrando interesse em treinar Chiyo, se tornando assim sua irmã mais velha. Faz uma proposta irrecusável, treinaria e pagaria os estudos da menina, alegando que ela quitaria todas as suas dívidas em seis meses após sua estreia. Mamãe aceita essa oferta e assim Chiyo entra de vez no mundo das gueixas.

Chiyo passa a ser Sayuri, rival de sua amiga, pois agora competiria diretamente com Pumpkin, e ainda teria Hatsumomo em seu caminho, disposta a fazer da sua vida um inferno, prejudicando-a de todas as maneiras possíveis. De contrapartida também teria Mameha, lhe permitindo aprender tudo o que precisa para sobreviver e de destacar nesse mundo.

“Memórias de uma gueixa” mostra a agonia e a beleza, convivendo lado a lado, na jornada de Sayuri como uma maiko. E ela aguentaria tudo por seu propósito. Seus pés sofrendo, seus dedos sangrando e até mesmo sofrer para se sentar ou dormir. Faria e aguentaria tudo, tendo em seu coração que aquilo seria para encontrar o Presidente e então a ele pertencer.

Poderá Sayuri dominar todas as artes que cobrem uma gueixa e então pagar as suas dívidas? Pumpkin será de fato uma rival nessa competição? Com o que essa amizade será capaz de lidar? Quais são os reais objetivos de Mameha? Estará ela apenas usando a menina para uma vingança própria? E o Presidente? Estará o destino de Sayuri atrelado ao dele? Gueixas podem se dar ao luxo de desejar e amar?

O filme “Memórias de uma gueixa” costura momentos de fragilidade e força, desespero e esperança, crueldade e bondade, dando a trama um bom equilíbrio narrativo. Nos apresentando todo o glamour do universo das gueixas, sem ocultar a dureza e a severidade que existem por trás dele.

A beleza, que na mesma medida que te abre portas, também aprisiona, fazendo das mulheres meros instrumentos sociais no mundo dos homens. As renúncias e sacrifícios que são feitos por aquelas que buscam um meio de sobreviver diante de padrões tão rígidos, cobrados por uma sociedade que lhes tiram quase todo poder de escolha a partir do momento em que as compram, com o único objetivo de que elas os entretenham.

O peso entre aquilo que se quer e aquilo que lhe imposto. O destino que você escolhe e aquele que é escolhido por você, bem como o preço, físico e emocional, que se paga em qualquer uma das situações. O quanto é necessário de força e coragem para não se quebrar diante da inveja, raiva, ambição e poder dos outros.

Os personagens de “Memórias de uma Gueixa” são construídos em muitas camadas emocionais, vão dos sentimentos mais contidos até as explosões mais vivas, revelando muitos conflitos internos, fragilidades, medos, desejos, amores e sonhos. Destaca-se aqui Zhang Ziyi, como a resiliente, inteligente e doce Sayuri, Gong Li (incrível), como a bela, intensa e emocionalmente complexa Hatsumomo e Michelle Yeoh (maravilhosa ❤️), como a mestre estrategista, elegante e leal Mameha. Ainda temos Youki Kudoh, como Pumpkin, Ken Watanabe, como Presidente e Kôji Yakusho, como Nobu.

Enquanto adaptação literária, sinto que muita coisa mudou em “Memórias de uma gueixa”, até mesmo a personalidade de alguns personagens. Algumas coisas, que considerei relevantes no livro, não aparecem no enredo do longa e outras foram modificadas. Mas no geral, os principais acontecimentos estavam ali, ainda que um pouco diferentes. Acredito que a essência da história original se manteve, nos trazendo com sensibilidade a complexa vida de Chiyo Sakamoto.

“Memórias de uma Gueixa” é um filme que combina beleza visual com uma narrativa emocionalmente intensa, despertando debates sobre tradições e estruturas sociais que moldam e limitam, principalmente a vida das mulheres. Sobre a perfeição exigida e a solidão que acompanha a vida delas, ainda que vivam cercadas por muitos. E o constante contraste entre a dor, não necessariamente física, e a beleza.

O filme de Rob Marshall, nos leva a refletir sobre resiliência, dignidade e sobrevivência, a capacidade de se adaptar sem se quebrar e sem se perder diante das duras circunstâncias. Bem como sobre o amor e suas ilusões, principalmente sobre aquele amor que não se pode viver plenamente.

“Memórias de uma gueixa” ganhou 3 Oscars, “Melhor Fotografia”, “Melhor Direção de Arte” e “Melhor Figurino”. Contando uma história sobre força interna, transformação e readaptação, bem como sobre o preço da liberdade emocional. Carregado de emoções sutis e profundas, misturando sensibilidade artística, com impacto visual e reflexões interessantes. Reflexões, inclusive, que vão além da história que conta, como o fato de ser uma interpretação ocidentalizada do universo das gueixas, ou mesmo o fato de se ter atrizes chinesas interpretando uma história que se passa no Japão.   

Dê uma chance, assista e depois venha aqui me contar o que achou. E caso não tenha lido o livro “Memórias de uma gueixa”, eu recomendo muito, é uma história profunda e repleta de nuances.